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Ivani Ferreira é professora e blogueira . Possui graduação em Letras pela Faculdade Asa de Brumadinho (2006), Normal Superior pela Universidade Federal de Montes Claros(2005), especialização em Psicopedagogia pela Universidade Federal Castelo Branco (2007), Supervisão Pedagógica pela FINON (2008). Professora efetiva na rede Municipal de Brumadinho desde 2005, porém, atua na rede municipal com turmas da Educação Infantil , Ensino Fundamental 1 e 2 , desde o ano de 2002. Trabalhou como supervisora pedagógica na Escola Municipal Leon Renault- Brumadinho/MG (2013- 2016). Atualmente trabalha como professora da Educação Infantil na EMEI Nair das Graças Prado em Brumadinho/MG. Sejam bem vindos(as)!!! Instagram.com/professoraivaniferreiraoficial

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Análise do conto Um Apólogo/Machado de Assis


                     Um Apólogo

Machado de Assis

Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora?  A senhora não é alfinete, é agulha.  Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa!  Porque coso.  Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
— Você?  Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser.  Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco?  Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:
— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas?  Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: 
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. 
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:
— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

Texto extraído do livro "Para Gostar de Ler - Volume 9 - Contos", Editora Ática - São Paulo, 1984, pág. 59.
Conheça o autor e sua obra visitando "Biografias".

  • CONTEXTO DE OBRA O conto “Um Apólogo” foi publicado em 1896, no livro “Várias Histórias”, uma coletânea dos melhores contos de Machado de Assis. O conto narra uma pequena história de vaidade entre uma agulha e uma linha, cada uma querendo mostrar sua superioridade sobre a outra, na função de confeccionar um vestido para a baronesa ir ao baile. Na época em que foi publicado, o Brasil estava num novo período, com o fim da escravidão (1888), a proclamação da República (1889), o início da economia cafeeira (1840) e o trabalho imigrante europeu (1870). Dentre outras obras, Joaquim Maria Machado de Assis – ou simplesmente, Machado de Assis, pertenceu ao período literário que conhecemos como Realismo, cuja característica principal é a busca da objetividade na literatura, em oposição aos românticos (Romantismo). Machado de Assis se preocupava em analisar e criticar os valores da sociedade.
  • FOCO NARRATIVO O foco narrativo é a perspectiva por meio da qual o narrador opta para relatar os acontecimentos da história. No conto “Um Apólogo”, temos o narrador observador em terceira pessoa, que não participa da história, se limitando apenas a narrar os fatos na medida em que eles acontecem. Logo no início do conto, já podemos observar vestígios do narrador-observador, no primeiro parágrafo: Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha. Entretanto, mais adiante, encontraremos um narrador personagem-intruso no décimo sexto parágrafo, concluindo que todos os fatos narrados eram fruto da memória do narrador: Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa. E no vigésimo terceiro parágrafo retoma a presença do narrador-intruso: Contei esta história a um professor de melancolia (...).
  • PERSONAGENS Os personagens são aqueles que praticam as ações narradas. Neste âmbito, podemos distinguir protagonista de antagonista, os principais e os secundários, pessoas ou não. No conto, temos dois personagens principais que são a agulha e a linha, pois elas são citadas logo no primeiro parágrafo e são bem destacadas na história, afinal, o conto é sobre elas. As personagens principais são antagonistas – uma em relação à outra, pois se opõem a todo instante, discutindo por vaidade, por orgulho. E os demais personagens são secundários, o alfinete, o professor de melancolia, a costureira, a baronesa e a modista, pois não são tão destacados quanto a linha e a agulha.
  • ENREDO O enredo é a sequência de acontecimentos de uma narrativa de ficção, ou seja, é o conteúdo que será construído no decorrer do texto. Além disso, o enredo, também chamado de trama, está diretamente ligado às personagens, como foi definido claramente por Antônio Cândido*: O enredo existe através dos personagens; as personagens vivem do enredo. Enredo e personagem exprimem, ligados, os intuitos do romance, a visão da vida que decorre dele, os significados e valores que o animam. O enredo pode ser dividido em quatro etapas. A primeira etapa é a Apresentação, no qual o narrador apresenta uma situação inicial, as personagens, suas características e em determinados textos, o tempo e o espaço em que a história ocorre. Em outras palavras, é o momento em que o narrador situa o leitor, para que este tenha informações suficientes a fim de compreender a história que começará a ler. O conto “Um Apólogo”, inicia-se com o diálogo das personagens principais, a agulha e a linha, que estão discutindo e argumentando sobre a relevância dos papéis de ambas: Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha: — Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo? — Deixe-me, senhora. — Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça. — Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros. — Mas você é orgulhosa.
  •  — Decerto que sou. O espaço e o tempo em que a narrativa ocorre serão apresentados ao leitor mais adiante: Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. A segunda etapa é a Complicação, também conhecida como Desenvolvimento, no qual os conflitos começam a surgir, rompendo com a Apresentação, para dar início às ações que conduzirão a narrativa à terceira etapa, o Clímax. O momento em que a Complicação ocorre, é justamente quando está prestes a chegar a noite do baile no qual a baronesa comparecerá, no qual agulha e linha trabalham silenciosamente, após uma longa discussão sobre a importância de cada uma na preparação do vestido: A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile. A terceira etapa é conhecida como Clímax, que é o ponto mais alto da história, o momento em que o conflito chega ao seu limite. Costuma ser situado no final da narrativa, e no conto “Um Apólogo”, não poderia ser diferente. Finalmente, a noite do baile chegou e a linha “cutuca” mais uma vez a agulha, exibindo-se toda orgulhosa, pois irá ao baile no vestido da baronesa, enquanto que a agulha será guardada numa caixinha de costura: Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe: — Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.
  •  E por fim, temos o Desfecho, que corresponde à situação final da trama, a solução dos conflitos. Na narrativa, esta quarta etapa pode ser surpreendente, feliz, trágico, cômico, ente outros. O encerramento do conto “Um Apólogo” é o momento em que o alfinete, vendo toda a cena, vira-se para agulha e lhe diz para aprender, pois enquanto ela abre o caminho, quem goza da vida é a linha, encerrando por fim, com o próprio narrador (agora personagem), que extrai uma frase dita pelo seu professor de melancolia: Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: — Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária! *[CANDIDO, Antonio. A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 534).
  •  TEMPO No contexto da narrativa, o Tempo é período no qual decorre o percurso cronológico ou psicológico que vai desde o início até o final da história. No conto, o tempo costuma ser mais curto – se for comparado ao romance ou à novela. Como dito, na narrativa podemos encontrar tanto o tempo cronológico como o psicológico, sendo este o tempo que transcorre no interior das personagens, sem responder a uma ordem cronológica, mas sim, que reflete a subjetividade de sua imaginação, e aquele, marcado pelo relógio, objetivo, definido. No conto “Um Apólogo”, há o encontro de ambos os tempos. O cronológico destaca-se na passagem em que o narrador relata que o vestido da personagem ficou pronto em quatro dias: Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile. Já o tempo psicológico aparece no final do texto, quando o leitor se dá conta de que toda a narrativa se passou na memória do agora narrador personagem, que estava contando a história a um professor de melancolia: Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!
  •  ESPAÇO Na perspectiva da narrativa, o Espaço é o lugar físico onde as personagens circulam, onde as ações são realizadas, ou em outras palavras, é a ambientação da história. No conto “Um Apólogo”, não há vestígios de uma ambientação detalhada, mas o narrador nos dá o lugar físico em que as cenas de discussões entre a agulha e a linha ocorrem, a casa da baronesa: Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Podemos concluir que se trata de uma casa aristocrata, por pertencer a uma baronesa – que provavelmente tinha muitos empregados e que não saía de casa, a modista e a costureira que iam até ela para preparar as vestimentas do baile.
  •  CONSIDERAÇÕES FINAIS Após a leitura e análise do conto “Um Apólogo”, de Machado de Assis, podemos concluir que a agulha e a linha incorporam atos humanos, como o orgulho, a vaidade, a prepotência, entre outros, a fim de mostrar que uma é mais importante que a outra. Podemos observar também que metaforicamente, a linha leva toda a glória e reconhecimento do trabalho pesado da agulha, como o alfinete descreve: Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: — Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. E por fim, temos a aparição do professor de melancolia, que representa no conto as pessoas que também são usadas, que não são reconhecidas: Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária! Mais uma vez, Machado de Assis nos surpreende com sua obra e com a sua sagacidade em escrever um conto que transmite os valores de uma sociedade orgulhosa, representada por simples personagens, a linha e a agulha.
 BIBLIOGRAFIA Livros: ASSIS, Machado de. Contos. São Paulo: Ciranda Cultural, 2010. CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português Linguagens 3. 6 ed. São Paulo: Atual, 2008. Sites: Vestibulando Web http://www.vestibulandoweb.com.br/portugues/portugues-esse-este-aquele.asp consultado no dia 29/10 às 14:30; Recanto das Letras http://www.recantodasletras

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