INSTRUÇÕES:
● Preencha o cabeçalho da prova;
● A avaliação consta de 15 acertos, valendo 0,4 cada;
● Leia atentamente cada questão antes de colocar a resposta;
● A avaliação deverá ser feita a lápis. Depois de conferir
tudo, passe a caneta azul ou preta nas questões fechadas;
Não use
corretivo; Não serão aceitas rasuras.
A MORCEGA
Quando era adolescente,
eu andava com a franja do cabelo batendo no nariz. Parecia um cachorro lulu,
mas me achava o máximo. Meu pai resistiu a tudo: ao som de Janis Joplin, à
minha mania de desenhar girassóis nos cadernos, e só entregou os pontos quando
me viu desbotando um jeans novinho com cândida. Em nocaute por pontos,
suspirou:
— Nada mais me espanta.
Reagi dedicando boa
parte da minha vida a defender lances de vanguarda, como o uso de brinquinhos
em orelhas masculinas quando isso era tabu. Sempre achei que nada me
surpreenderia. Pois fui visitar uma amiga cuja filha adolescente, de 14 anos,
tem o rosto de um anjo de catedral, mas se veste de preto, como um morcego.
Encontro as duas brigando.
— Quero fazer uma
tatuagem e ela não deixa.
Sorrio, pacificador.
Aconselho:
— O ruim da tatuagem é
que, se você se arrepender mais tarde, não sai.
A morcega explica: será
inscrita em um lugar do corpo só possível de ser visto se ela mostrar. Tremo.
Pergunto onde. A resposta alegre:
— Dentro da boca.
Repuxa os lábios como
um botocudo e mostra o sítio designado: a parte frontal das gengivas. A mãe
lacrimeja:
— Não, não. A bandeira
do Brasil...
Eu e a mãe nos olhamos
aparvalhados. Descubro que o símbolo pátrio virou moda. A morcega continua:
quer porque quer ir a uma rua que reúne morcegos, mariposas e outros bichos nos
fins de semana. Arbitro:
— Lá vão punks da
pesada!
Ela zumbe, hostil,
porque se considera punk da pesada. Reage:
— O movimento punk quer
liberdade, só isso.
— Prendi você? —
lamenta-se a mãe inutilmente.
Fico sabendo que os
punks de bom-tom até andam, na tal rua, com cartazes dizendo: “Não quero briga”
ou “Sou paz”. Também elegeram um templo: a danceteria Morcegóvia, no bairro
Bela Vista. É lá que se encontram vestidos preferencialmente de escuro, com
bijuterias de metal pesado, brinquinhos de crucifixo e uma enorme alegria de
viver — só preenchida pelo som de rock pauleira. Digo, para me fazer de
moderno:
— Sabe que fui ao show
do Michael Jackson?
Ela torce o nariz.
Odeia. Led Zeppelin, Sepultura, isso sim! Arrisco:
— Quem sabe você fica
rica montando um conjunto chamado Crematório.
— Vocês (nós, adultos)
só pensam em coisas materiais. A gente (eles, os punks) quer é saber do
espírito.
Já ouvi isso em algum lugar. Eu dizia a mesma
coisa e ficava furioso quando ouvia meus pais dizerem que, quando eu fosse mais
velho, entenderia tudo que estavam passando comigo. Explico que concordo com as
teses morcegas. Tenho apenas problemas em relação ao estilo. Olho para ela, de
camiseta preta e jeans rasgado, e penso como ficaria bonitinha num vestido de
debutante. Lembro de sua festa de aniversário: o bolo era em forma de guitarra,
cinza. Em certo momento, a turma se divertiu atirando pedaços de doces uns nos
outros, para horror das mães e avós presentes.
Subitamente desperto,
descubro que a onda punk se espraia muito mais do que eu pensava. Um dia desses
vi um garoto pintado de três cores. O filho de uma vizinha usa dois brincos
dourados, um rubi no nariz e cabelos tão cacheados que noutro dia o
cumprimentei pensando que fosse a mãe dele.
A morcega me encara,
pestanas rebaixadas, farta. Nervoso, reflito que devo estar ficando velho.
Adoraria estar do lado da filha, para me sentir rejuvenescido. Toca a campainha,
ela vai até a porta. Um rapaz alto, de cabeça inteiramente raspada, sorri,
rebelde. Observo um dragão tatuado em seu couro cabeludo. A mãe range os
dentes, enquanto a filha sai nos braços de seu príncipe motoqueiro. Eu e a mãe
nos olhamos, tão nocauteados como foi meu pai. Sei que o rapaz trabalha, como a
maioria dos punks. Mas onde? Não consigo imaginar o gerente do banco com um
alfinete espetado nas bochechas. São rebeldes apenas nas horas vagas, quando
voam em seus trajes escuros pela noite? O careca bota peruca na hora da labuta?
A mãe me oferece um
café. Exausta com o rodopiar das gerações. Já sabemos: vem mais por aí.
Olho para a noite e
penso em todos os morcegos zunindo por São Paulo. Ser adolescente é difícil,
mas... que saudade!
(Walcyr Carrasco. O golpe do aniversariante
e outras crônicas. São Paulo: Ática, 1996. p. 64-6. Col. Para Gostar de
Ler.)
Vocabulário
aparvalhado: desnorteado, desorientado.
botocudo: índio que usa botoque (rodela grande)
nos lábios inferiores, no nariz e nas orelhas.
espraiar-se: alastrar-se, espalhar-se.
Janis Joplin: cantora da década de 1960 que fez
grande sucesso entre a geração hippie.
labuta: trabalho.
hostil: contrário, inimigo.
sítio: lugar, local.
tabu: que é proibido ou perigoso.
vanguarda: que está na frente, na dianteira das
ideias e dos comportamentos.
Procure no dicionário
outras palavras que você desconheça.
■ COMPREENSÃO E INTERPRETAÇÃO
1. O texto faz uma contraposição entre os
valores dos jovens — isto é, seus princípios, crenças e comportamentos — e os
valores dos adultos. Como a narrativa é feita em 1ª pessoa, o narrador também
deixa transparecer seus valores.
a)Como o narrador era
na sua adolescência?
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b) E depois da adolescência, ele mantém suas
convicções ou passa a ser conservador? Justifique sua resposta com uma frase do
texto.
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2. No 3º parágrafo, o narrador afirma: “Sempre achei que nada me surpreenderia”.
a) O que o narrador demonstra ser, com essa
frase: liberal ou conservador?
___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
b) Que palavra dessa frase já pressupõe que
algo o surpreenderá no futuro?
___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
3. O narrador se refere à adolescente e aos
amigos dela fazendo uso de palavras que designam animais. Explique o sentido
dessas comparações:
a)
“tem
o rosto de um anjo de catedral, mas se veste de preto, como um morcego”
________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
b)
“quer
ir a uma rua que reúne morcegos, mariposas e outros bichos nos fins de semana”
________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
4. Na discussão com a mãe e com o narrador, a
adolescente defende o movimento punk com dois argumentos.
a)
De
forma resumida, quais são eles?
_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
b)
A
forma como a adolescente expõe esses argumentos demonstra que ela conhece
profundamente as ideias punks, ou que ela provavelmente as conhece “por
cima”, “de orelhada”? Justifique sua resposta.
_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
5. Diante das ideias punks, o narrador
diz: “concordo com as teses morcegas. Tenho apenas problemas em relação ao
estilo”. Compare os comportamentos e valores da adolescente com os que o
narrador tinha quando jovem.
a) Que comportamentos do narrador, no passado,
equivalem aos seguintes comportamentos da adolescente:
• usar
jeans rasgado e camiseta preta?_______________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
•
ouvir Sepultura e Led Zeppelin?___________________________________________________
______________________________________________________________________________
• usar
bijuterias de metal pesado e brinquinhos de crucifixo?______________________________
______________________________________________________________________________
b)Pelos comportamentos do narrador quando
jovem, você acha que ele também era a favor da liberdade, da paz e dos valores
espirituais? Justifique sua resposta com uma frase do texto.
_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
c) Conclua: Por que, então, o narrador passou a
pensar diferente da adolescente?
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6. No penúltimo parágrafo, o narrador afirma
que a mãe da adolescente lhe oferece um café, exausta “com o rodopiar das
gerações”.
a)
Que
fato do texto comprova a ideia de que as gerações caminham num movimento circular?
__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
b)
Que frase desse parágrafo sugere uma
continuidade infinita dos movimentos de rebeldia da juventude?
________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
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